Nigun, o canto da alma: uma breve introdução
Cecilia Valentim
Set, 05, 2022
Nesse breve texto, quero me ater especialmente aos sentidos da Fala, Pensamento, audição e ação por meio da prática do canto mântrico, especificamente da prática Chassídica do Nigun, onde tais sentidos estão totalmente engajados, proporcionando um estado de transcendência e integridade, bem como, quando realizada coletivamente, um senso de pertencimento a si mesmo e a uma comunidade,
Criado no início do sec.XVIII, como um novo gênero de música vocal judaica, o Nigun surge no Movimento Chassídico[1]como um potente recurso de expressão espiritual. É freqüentemente descrito como prece musical, além das palavras: A Caneta da Alma.
Embora o Canto e Dança sempre tenham feito parte da tradição judaica, o Nigun reflete a criativa e radical natureza da Teologia Chassídica, no que diz respeito à força da Música no Universo, descrita desde a Idade Média pelos Místicos Judeus Cabalistas, entre eles, Abrahan Abulafia, de origem Sefardim, fundador da escola de Cabalá Profética. Nascido em Saragoça, na Espanha em 1240 e falecido em 1291, provavelmente na Ilha de Comino, Abulafia buscou popularizar os conhecimentos da Cabala.
Nigun significa melodia em hebraico. É um canto circular, cuja intenção é abrir os portões da alma em direção ao Êxtase Sagrado, à transcendência, que deve ser trazida à terra para despertar os corações da humanidade para as verdades interiores, a Deus. No lugar das palavras que, segundo a tradição Chassídica, limitam e definem a percepção mental, são usadas sílabas que não possuem sentido, como: Daí, daí, bim bom, doi doi. Em geral é cantado sem acompanhamento instrumental, pode ser lento ou meditativo, rápido ou jubilante, de acordo com o que se deseja expressar, formando múltiplas frases melódicas.
Existem algumas formas diferentes de Nigun, associados ao estudo do Talmud, preces ou outros aspectos da vida tradicional judaica. Os três principais tipos na tradição Hassidica são:
Deveyekut nigunin: lentos, melodia livre, sem ritmo definido, não métrica, reflexivo, para ser cantado individualmente, em uma relação pessoal com Deus.
Dance Tunes: simples, rápido e rítmico, para ser cantado e dançado em grupo, em uníssono.
Tish Nigunin: Lentos e complexos, freqüentemente cantados no Sabbath, nas festas e na presença do Rabino.
Segundo o Rebe de Chabad, “A Canção está no âmago da vida; sua fonte é o êxtase mais sobrenatural.” Ele explica:
“Um rio descia do Éden para regar o jardim…” (Bereshit 2:10) — vindo da fonte de todo o deleite, o rio da vida flui para baixo, ramificando-se para cada mundo e todo ser criado. Cada coisa anseia para juntar-se com sua fonte acima, e deste anseio vem sua canção, e com aquela canção ela se torna viva. Os céus cantam, o sol, os planetas e a luz; cada animal, cada planta, cada rocha tem sua canção particular, segundo a maneira pela qual recebe a vida.
“Até o cosmos inteiro pulsa com uma sinfonia de incontáveis anjos e almas e animais e plantas e até cada gota de água e molécula de ar cantando a canção que lhe dá vida.
“É por isso que um nigun traz uma onda de vida nova, adoça a alma amarga e preenche o lar com luz — como as canções entoadas por David para o rei Shaul, que curaram seu espírito amargo. Uma canção é unidade. Uma canção se volta sobre si mesma num círculo de unidade, até que não haja princípio nem fim.”
Finalmente, independentemente da tradição religiosa, o poder do Nigun é experimentado por todos que o praticam como forma de conexão com o coração do amor.
[1] O Judaísmo chassídico ou hassídico (do hebraico חסידים, Chasidut para os sefardim; Chasidus para os asquenazes, piedosos ou devotos) é um movimento dentro do judaísmo ortodoxo que promove a espiritualidade e existiu praticamente em todas as eras da história judaica. Fonte: Wikipedia.